segunda-feira, 10 de junho de 2013

ÁGAPE - A ILUMINAÇÃO




ÁGAPE - A ILUMINAÇÃO



Em alguma região remota da Rússia, num hospital público de alguma pequena cidade, uma criança acorda chorando. Sua mãe está ao seu lado, como tem estado nos últimos dias, semanas, meses... Mas a criança continua a chorar. Ela tem um câncer em estágio terminal, metástase, e o hospital não tem verbas para comprar o medicamento adequado para ao menos anestesiar parte da dor. A criança tem chorado por todos os dias dos últimos 3 meses, sentindo em seus ossos, em suas terminações nervosas, uma das piores dores que o ser humano é capaz de suportar sem desfalecer. A porta do quarto se abre, e um palhaço entra sorrindo. Ele a olha direto nos olhos, bem fundo, ele ri para sua alma, ele faz piada com o sofrimento e a morte, ele dança junto ao amor. A criança para de chorar...

Patch Adams é um médico curioso: ele acredita que um médico não pode prometer cura, e sim um tratamento adequado para cada doença. E o melhor tratamento sempre envolve o amor. Você pode dispor dos melhores remédios e da tecnologia mais avançada do mundo – sem o amor, todo tratamento é incompleto, e toda a cura passageira. Por toda sua vida o palhaço tem se dedicado a melhor das palhaçadas: cuidar das pessoas, irradiar amor pelo mundo. Seja no entorno de zonas de guerra, seja nos hospitais mais remotos do mundo, ele sempre pede pelo pior: pelos queimados, pelos quebrados, pelos depressivos, pelos que estão à beira da morte. Nem que seja para que morram felizes:

“Já fiz mais de 20 mil horas de palhaçadas com pacientes. Tenho 1 milhão de coisas para levar em cada contato. Primeiro, o meu olhar vai direto para os olhos deles, olhar de amor. ZAP! Tenho minibrinquedos, 20, 25 kg de brinquedos, todos dentro da minha calça de palhaço. Tenho um capacete em forma de pato na cabeça, e carrego um peixe. O meu personagem de palhaço é um adulto com síndrome de Down, porque seu estilo é amor incondicional e engraçado. Entro ali, você pode estar coberto por queimaduras do pior tipo, eu não vejo... Vejo os seus lindos olhos. Você vê que eu não vejo. Em qualquer que seja o caso, pode estar a beira da morte, eu estou ao seu lado. Não imagino que vou curar as pessoas, nem mesmo que vou ajudá-las, imagino que sei que vou criar um relacionamento com elas, e esse relacionamento vai tornar mais fácil o que quer que seja.”

Por incrível que pareça, ainda existem santos na era moderna. O médico palhaço é um deles; Embora não seja religioso (no sentido eclesiástico), acredita acima de tudo no que mais importa, naquilo que ninguém conseguiu até hoje medir ou pesar, nem mesmo provar em algum experimento, mas que quase todos têm a plena fé de que efetivamente existe. Patch Adams é um santo do amor, um profeta que prega a maior das revoluções: a renovação pelo amor, a busca por uma estratégia para se amar, amar da melhor forma possível, amar em qualquer momento e em todos os lugares. Amar da maneira que hoje é possível amar, para que amanhã amemos cada vez mais, até que não precisemos mais da promessa incerta de um céu distante – ele já estará instaurado em plena Terra.

Certamente os gregos antigos já haviam dado diversos nomes ao amor, mas nenhum parece ter sido mais sublime do que ágape. Tal sentimento significa o amor incondicional, o amor que não espera nada em troca, nem mesmo mais amor. O fogo que, apesar de arder invisível, ergue-se em uma pira tão bela e poderosa, que encanta aqueles que a podem admirar para o resto de suas existências. Aquilo que não se vê com os olhos do corpo, mas que ainda antes se enxerga com a própria alma. A bênção prometida a todos aqueles que se aventuraram no caminho infinito, de religação com nossas origens, de busca ao que quer que tenha iniciado todo esse turbilhão de substâncias catapultadas a imensidão do Cosmos, e unidas numa sutil e inquebrantável teia com filamentos de luz que se estendem até além do horizonte cósmico, até além da razão, até onde só o amor poderá estar...

Como uma estrela cadente em meio a um vazio pleno de paz, como uma memória, uma imagem daquilo que será lembrado para sempre, uma vez que sempre esteve em nossa volta. O amor de todos os seres, conscientes e a beira da consciência. O amor de todos os cânticos, de todas as orações, de todas as poesias, de todos os pensamentos, colocado aos pés de uma fonte de água cristalina, que jorra em cascata preenchendo todos os átomos e todas as galáxias do Cosmos. O amor em movimento, a ponte entre um mundo de morte e um mundo de vida.

Mas não é fácil abandonar as amarras de nosso próprio ego, não é fácil atingir tal iluminação plena da alma... E ninguém disse que seria, esta é a nossa odisseia, a nossa jornada, a nossa aventura!


Há 2 mil anos um homem também realizou tal jornada. Caminhando pelas planícies em direção a Samaria com seus seguidores, Jesus disse a Judas: “Veja os aleijados, os cegos, os pobres... Este é o nosso exército, eles gritarão e Jerusalém cairá.”; Mas Judas parecia não compreender: “Nós precisamos de mais homens.”; Ao que Jesus respondeu: “Deus nos fornecerá os homens que precisamos, nós iremos construir uma nova Jerusalém.”; Nesse momento ambos foram interrompidos...

Maria, a mãe de Jesus, não o via há muito tempo, e o queria de volta para casa. Ela o segurou o braço de seu filho e lhe disse, da forma mais amável que conseguiu: “Filho! Por favor, volte para casa comigo.”; Jesus a olhou bem fundo nos olhos e perguntou: “Mulher, quem é você?”; Angustiada, sua mãe lhe respondeu: “Você sabe quem eu sou. Não me reconhece? Eu sou sua mãe!”; Jesus então encerrou a conversa, se afastando dela: “Eu não tenho mãe. Apenas meu Pai que está no Céu. Deixe-me ir.”

Então, uma amiga de Maria, que a estava fazendo companhia, lhe perguntou: “Maria... Porque você chora? Você não os viu?”; Maria lhe respondeu: “Não vi quem?”; A amiga explicou, entusiasmada: “Quando ele falou com você, havia milhares de asas azuis, atrás dele... Eu juro, Maria, eu vi exércitos de anjos...”; Mas Maria não pareceu impressionada: “Eu não vi nada disso. De que me ajuda são os anjos atrás dele? Eu gostaria de ver filhos e netos caminhando atrás dele, e não anjos”.

deixar que a própria vida viva em nós
Este diálogo é, talvez, uma ficção [1], mas o que nos importa aqui é que ele toca no cerne de ágape: não mais amar apenas a si próprio, ou sua família, ou seus amigos, ou quem sabe sua comunidade mais próxima, mas amar a absolutamente todos os seres, todos os animais, todas as coisas, todo o Cosmos... Somente assim, reconhecendo o parentesco de nossos genes e átomos como toda a vida na Terra, fruto do crepitar do fogo estelar em fornalhas cósmicas, é que seremos capazes de não mais viver arraigados ao próprio ego, mas deixar que a própria vida viva em nós. Só assim nos tornaremos efetivamente uma forma do Cosmos conhecer a si mesmo, um espelho plano e límpido voltado para o infinito, um canal por onde a luz divina poderá passar sem mais ser corrompida e distorcida.

Nós temos flutuado no córrego que flui da fonte, no coração do tempo do amor de um pelo outro. Nós temos brincado ao lado de milhões de amantes, partilhado a mesma doce timidez do encontro, e as mesmas lágrimas doloridas de despedida. Um amor antigo, mas que se manifesta em formas que se renovam, e renovam, ad infinitum!

Como bactérias dispersas no rio do mundo, tudo o que nos resta é tecer a tal substância capaz de nos manter unidos, para que possamos flutuar e flutuar, cada vez mais, em direção à superfície, e ao que quer que exista do outro lado do véu.

E, quem sabe, quando chegarmos à festa que se faz para os iniciados no caminho do amor, sequer queiramos comemorar por muito tempo... Pois que teremos nos lembrado daqueles que ficaram para trás, perdidos em meio ao córrego, sem contato com a substância viscosa, ignorantes do amor. Faremos isso, então, não em busca de algum céu ainda superior aquele outro, ou para que Deus nos congratule e nos sorria, mas o faremos porque seremos seres plenos de amor, porque agiremos naturalmente no amor, sem racionalizar, sem equacionar, sem querer provar nada para os outros, e nem mesmo para si mesmo – Amar! Amar, por amar... Eis a última e mais grandiosa das realizações de nossa jornada. Eis todas as bênçãos e toda a felicidade que poderíamos almejar.

Hoje ele está guardado à seus pés, ele achou o seu fim em você,
O amor de todos os dias dos homens, tanto passados quanto eternos:
Alegria universal, tristeza universal, vida universal,
As memórias de todos os amores mesclando-se com esse nosso amor único -
E as canções de cada poeta, tanto passados quanto eternos.

(trecho do poema “Amor sem Fim”, de Rabindranath Tagore)

***

[1] Retirado do roteiro do filme “A última tentação de Cristo”, de Paul Schrader, baseado no livro homônimo, do escritor Nikos Kazantzakis. Por sua vez, este livro foi baseado nos evangelhos apócrifos (tanto quanto nos oficiais), e numa visão gnóstica de Jesus. Cabe a cada um julgar qual visão é mais profunda e espiritual, a que nos traz um Deus feito homem, ou a que nos mostra o árduo caminho de um homem caminhando rumo a Deus.



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