segunda-feira, 20 de maio de 2013

SUTRA DIAMANTE


O SUTRA DO DIAMANTE 


Kitaro - Kageroh / Nen / Linden


O ser humano é uma parte do todo a que chamamos universo, uma parte limitada no tempo e no espaço.
Ele concebe a si mesmo, as suas idéias e sentimentos como algo separado de todo o resto - numa espécie de ilusão de ótica de sua consciência. E essa ilusão é um tipo de prisão que nos restringe aos nossos desejos pessoais e reserva a nossa afeição a algumas poucas pessoas mais próximas de nós.
Nossa principal tarefa é a de nos livrarmos dessa prisão, ampliando o nosso círculo de compaixão, para que ele abranja todos os seres vivos e toda a natureza em sua beleza.
Ninguém conseguirá atingir completamente este objetivo, mas lutar pela sua realização já é por si só parte de nossa liberação e o alicerce de nossa segurança interior. (Albert Einstein)

Essa frase está em sagrada sintonia com o espírito do budismo, em especial com os ensinamentos do Vajracchedika Prajna Paramita, o Sutra do Diamante. Esse é um dos maiores ensinamentos que o budismo pode oferecer, porque é a culminância do pensamento desconstrutivista dessa doutrina (sem ser negativista, como é normal no ocidente). Ele não mede consequências e desconstrói até mesmo a imagem mítica do Buda. É essa suprema coerência que me faz ver o budismo como O caminho, que abarca todos os caminhos justamente por não tentar ser O ÚNICO caminho. Isso é especialmente enfatizado no Vajrayana, escola tibetana de budismo que é parte do Mahayana (o grande caminho) e cujo representante é o Dalai Lama.

A língua tibetana nem mesmo possui um termo para a palavra "religião". A palavra mais próxima é Chö, que é uma tradução tibetana da palavra em sânscrito Dharma. Este termo tem uma ampla gama de significados possíveis, mas nenhuma palavra em português vem a expressar aproximadamente as associações que ela tem para os tibetanos. Em seu uso mais comum ela se refere aos ensinamentos do budismo, em que se acredita expressar o caminho para a iluminação. Esse caminho é multifacetado, e há ensinamentos e práticas para servir a cada tipo de pessoa. Ninguém é obrigado a seguir e não há práticas que sejam prescritas para todos os budistas. Ao invés disso, o Dharma tem algo para cada um, e qualquer um pode se beneficiar com algum aspecto do Dharma.

Não há uma "verdade" que possa ser colocada em palavras. O budismo tibetano reconhece que as pessoas têm diferentes capacidades, atitudes e pré-disposições, e o dharma pode e deve ser adaptado a isto. Assim, não há uma única igreja que todos devam cultuar, nenhum serviço religioso que todos devam participar, nenhuma oração que todos devam dizer, nenhum texto que todos devam tratar como normativo, e nenhuma divindade que todos devam cultuar. O dharma é extremamente flexível e se alguém achar que uma prática específica leva a diminuir as emoções negativas, a conduzir para a paz e felicidade maiores e a aumentar a compaixão e a sabedoria, isto é o dharma. O Dalai Lama afirma que é possível praticar o dharma até mesmo seguindo os ensinamentos e práticas de tradições não-budistas, como o cristianismo, islamismo, judaísmo ou hinduísmo. Se alguém pertence a uma destas tradições e se a sua prática religiosa conduz ao avanço espiritual, o Dalai Lama aconselha a mantê-la, já que esta é a meta de todos os caminhos religiosos.

A própria noção de "budismo tibetano" precisa ser esquecida se quisermos envederar pelos meandros desse pensamento. Esse budismo não depende de tradições específicas, não depende de FORMA (embora a use) e não depende sequer de CONTEÚDO (embora use e seja o melhor meio de obter a compreensão). No final é dito que você não se apegue nem à mensagem que você acabar de ler. Esse é o Sutra (ensinamento) do Diamante. Diamante não porque seja eterno, mas por ser cortante como tal, cortando fora todas as concepções arbitrárias que impedem a pessoa de atingir a iluminação.

Só compreendi a importância deste Sutra com a inestimável ajuda do Lama Padma Santem, e como foi preciso transformar os conceitos e palavras desse Sutra em MAIS conceitos e palavras (durante as horas de palestra no retiro budista), pra depois ir descartando mentalmente uma a uma, farei o mesmo adaptando os conceitos para meu público e meu entendimento (que pode não estar lá muito certo, pois o ideal seria a palestra completa com o Lama Padma).

O texto é um diálogo de Buda com seu discípulo Subhuti, que gostaria de saber do Mestre o que dizer para as pessoas que querem iniciar a prática para atingir Anuttara-Samyak-Sambodhi ("a Mais Elevada e Perfeita Sabedoria", mais comumente conhecida como "Iluminação"). Buda dá então 6 passos, que são os 6 Paramitas (perfeições):

1. O PARAMITA DA GENEROSIDADE (DANA PARAMITA)
Apesar dos seres sensoriais então a serem libertos por mim serem inumeráveis, sem limite, ainda assim em realidade não existem estes seres sensoriais a serem libertados. E por que, Subhuti? Porque caso houvesse nas mentes dos Bodhisattva-Mahasattvas (Aquele no caminho da perfeição) concepções arbitrárias de fenômenos tais como a existência de identidade em alguém e identidade em um outro, identidade como dividida em um número infinito de seres que nascem e morrem, ou identidade como união com alguma Alma Universal eternamente existente, eles seriam inadequadamente chamados de Bodhisattva-Mahasattvas.

Buda já começa entrando com os dois pés no peito dos discípulos. O budismo for dummies sempre pregou que somos parte de uma "alma universal", que podemos reencarnar numa pedra ou num animal, e aprendemos a ver todos os seres como UM ser, algo próximo da concepção de Deus no ocidente. O sutra do diamante corta isso fora. É um alerta ao seguidor que queira trilhar o caminho último pra iluminação para que se afaste de qualquer expectativa de méritos decorrentes da generosidade (ou seja, querer agradar a um Ser Supremo, um Buda, etc). Se você é generoso porque sente prazer em ajudar outros seres, ou busca com isso conquistar bênçãos, um pedacinho do paraíso, ver Jesus ou Buda, ou acumular karma bom pra uma vida melhor, isso não é criticado por Buda, mas ele alerta que ainda assim isso é uma prisão.

Subhuti, se algum bom e piedoso discípulo, homem ou mulher, por motivação caridosa sacrificou sua vida, geração após geração, tão numerosas como os grãos do de areia nos bilhões de universos, e outro discípulo permanecer apenas estudando e observando um único stanza desta Escritura e explicando-a a outros, o mérito deste será muito maior.
O maior presente que o budismo pode ofertar é o conhecimento que liberta das amarras mentais. Dar de comer aos outros é bom? É ótimo, e o budismo propõe isso, também. Ensinar a pescar é melhor ainda. Mas a problemática do budismo não está no assistencialismo físico, e sim psicológico. De nada adianta uma pessoa alimentada e rica se sua mente acabará levando-a às mesmas paisagens de outrora, seja nesta vida, seja em outras. É relativamente fácil tirar o homem da pobreza, mas difícil tirar a pobreza de dentro do homem.


Assim como a luz da lamparina pode romper a escuridão que está lá há mil anos, pode também a centelha da sabedoria extinguir a ignorância que já dura muitas eras
(Hui Neng, sexto patriarca Zen, séc. 7 d.C.)

Para representar essa prisão da mente foi criada a Roda da Vida (Bhavachakra), também conhecida com a Roda da Existência, Roda do Devir e do Vir-a-ser. Ela representa os mundos que os diversos estados mentais nos levam, por vidas e vidas.


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